Sobre a Europa e a cultura de extermínio da Síndrome de Down
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Escreve. Apaga. Chora. Escreve. Apaga. Chora. Não tem por onde começar. Não existe ponto de partida. Preconceito e ignorância se uniram pra apagar histórias que nem chegaram a ser escritas.
Falar sobre esse assunto sendo irmã de uma pessoa com Síndrome de Down é um castigo na mesma medida em que é uma necessidade. Mas não sei por onde começar.
Não vou pedir desculpas se as palavras a seguir te causarem desconforto e, se existe um mínimo de humanidade aí do outro lado eu acredito que você se incomodará tanto quanto eu me incomodo:
Existe uma cultura de extermínio de pessoas diagnosticadas com Síndrome de Down antes do nascimento na Europa. Em países como a Dinarmaca já se comemorou um baixíssimo índice de nascimento de pessoas com a Síndrome. Se você conversar com um francês ele dificilmente saberá o que é Trissomia do cromossomo 21. Itália, Alemanha, Suíça, Inglaterra também celebram uma nação praticamente livre do “peso” que um cromossomo extra representa.
Os exames pré natais que seriam uma forma de ajudar a salvar vidas se tornaram ferramentas indispensáveis nessa cultura de genocídio banalizado.
E eu sei que não existe nenhuma justificativa pra isso. Um mínimo tempo de convivência e relacionamento seriam suficientes para erradicar esse protocolo estúpido.
E o Brasil, um país tão marcado pela diversidade, importou esse protocolo e tem reproduzido essa cultura de “limpeza” através da sugestão médica que é apoiada por uma lei expressivamente discriminatória.
Eu não sei quem decidiu e por que razão decidiu que a vida de pessoas como a minha irmã vale menos que vidas como a minha. A questão é econômica? Aos 19 anos a Maju tem o maior salário da casa e também o maior poder de consumo. A questão é a educação? Já sabemos que anular a diversidade é uma das formas mais eficazes de controle e manipulação da população e não existe educação de qualidade onde se nega e anula a realidade e identidade do povo. Estão preocupados com a saúde? Difícil acreditar.
Visão, mente e conhecimento limitados unidos ao ego e arrogância colossais são a base de leis como a lei do aborto pós trás da erradicação da Síndrome de Down.
Falamos de países ricos e desenvolvidos materialmente e extremamente pobres de princípios.
E eu sinto pena de pessoas que, cegamente, se recusaram a viver a alegre e doce experiência de ter alguém como a minha Maju na vida.
Eu sinto pena de pessoas que nunca saberão como é bom compartilhar a vida com alguém que é genuinamente feliz, que é premeditadamente capaz, que é indiscutivelmente corajoso e inteligente e que sabe como aproveitar cada segundo como ninguém.
Eu sinto pena porque muitas empresas nunca saberão como é ter o funcionário mais feliz do mundo.
Eu também sinto pena das crianças que perderam a oportunidade de terem os amigos mais fiéis, engraçados e amorosos.
Ter uma irmã com Síndrome de Down não me torna nenhum pouco especial mas eu posso garantir que fui e sou muito abençoada e privilegiada tendo a oportunidade de caminhar com a Maju.
Eu só espero que histórias como a da minha irmã possam ajudar a abrir os olhos dos pais que ainda não compreenderam o presente que receberam.